sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Quando o silêncio é a melhor canção

E tem dias que a música não rola. O cantor desafina, o guitarrista é um marceneiro e o baterista é um cortador de lenha. A letra é uma receita de remédio: ninguém entende. O som é torto, cafona, irritante. Nada agrada, nenhum ritmo, estilo, banda ou cantor preferido. Tudo é ruim. O mundo é só barulho e você quer fugir. Nesses dias, os ouvidos não estão para ouvir. E não adianta insistir. Tem que dar pause mesmo. Continuar a vida como se não tivesse mais orelhas.

O problema não é a música, você sabe. É o humor - aquele estado de espírito que, volta e meia, te faz acordar surdo, sem paciência para nada. Nesses dias a alma não está para arranjos e melodias. O corpo não está para passinhos e molejos. O espírito não está para meditação ou júbilo. Nesses dias, a vida é uma partitura em branco. As pessoas, notas mudas. As coisas, apenas coisas. E você, como que por castigo, tem que viver. Escutar palavras, escrever relatórios, digitar números, ler o letreiro do ônibus. Ouvir se torna algo muito perigoso.

Mesmo desligando o som, há barulho demais. Mesmo que a casa esteja vazia. Que você seja o último funcionário na empresa. O único carro na rua. O único estudante no corredor. Há apitos ao longe, cães latindo, o tic-tac do relógio, os anúncios na TV, o ronco do motor. Tudo é explosão, tudo é berro e agonia nesses dias de humor amplificado. Parece que mataram o silêncio e ninguém avisou. Todos se calaram.

Há quem tente se isolar. Evita conversas animadas e lugares barulhentos. Caminha em ruas desertas. Arrisca ouvir o CD de sons da natureza que veio junto com a revista. É inútil. Tudo é inútil. As horas passam e nada se equaliza. A única coisa a fazer é esperar. Deixar o dia passar, como se fosse aquela música ruim, de refrão tosco, que o vizinho insiste em colocar no último volume aos sábados pela manhã. Procure não se irritar. A irritação aumenta os decibéis do mau humor. Apenas feche as janelas.

Não procure o silêncio. É o tipo de coisa que nunca se acha, quando se procura. O silêncio acontece. É como a aurora ou o anoitecer. O silêncio é um acidente. Não depende de você. Nada de desertos, praias isoladas ou montanhas distantes. É preciso manter a rotina para disfarçar a passagem do tempo. De uma hora para outra, entre as barulhagens dos afazeres ocorre um hiato. Um olho pisca, alguém diz uma palavra, um passarinho entra na sala, há uma ausência. Você se lembra de um sonho antigo. E tudo parece que volta ao normal. O dia renasce às seis e quinze da tarde. Tudo está em movimento e, ao mesmo tempo, tudo é calma e leveza. O humor muda de faixa e você descobre que há uma música escondida no CD.

Nesses dias você dorme cedo. Quer logo um novo dia. Acorda. Está com as orelhas. Abre um sorriso junto com as janelas. Tem ouvidos para tudo. Aperta o play.

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